segunda-feira, 13 de agosto de 2018

APESAR DO CDC JÁ SE APROXIMAR DE 3 DÉCADAS EM VIGÊNCIA, UMA
GRANDE DÚVIDA AINDA PAIRA: QUANTO À SUA APLICAÇÃO NOS SERVIÇOS
PÚBLICOS, TODO SERVIÇO PÚBLICO É UMA RELAÇÃO DE CONSUMO? E O
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, É APLICÁVEL A TODAS AS
SITUAÇÕES?


As questões em pauta: se o Código de Defesa do Consumidor - CDC é aplicável no serviço público, em quais situações especificas e, se esse último é uma relação de consumo, é de trato bastante delicado por não ser incomum e polêmico no âmbito do atual ordenamento jurídico, merecendo, dessa forma, considerações mais dedicadas, devendo serem apreciadas com o devido esmero.
 
Trata-se, portanto, de assuntos que aparece com frequência nos tribunais ad quem e, sobre os quais já se manifestaram alguns dos Tribuanais Superiores brasileiros, adotando posicionamento de caráter um tanto intermediário, que deve, portanto, ser mencionado, após breve explanação.
 
Assim, por envolver questões normativas de diferentes naturezas jurídicas em um âmbito político econômico brasileiro de extremo desconforto social, caracterizado por vastos indiciamentos de profissionais indignos que, de forma irresponsável e surpreendente, conseguem assumir posições de destaque e representação política em meio a tanta corrupção, improbidades administrativas e outros crimes diversos, acaba por ser, também, assunto de grande desafio no cenário do ordenamento jurídico pós moderno vigente.
 
O CDC, disposto na Lei nº 8.078/90, foi, realmente, um marco na história do direito brasileiro, por assegurar de forma mais transparente os direitos daquele considerado o mais frágil da relação de consumo, em outras palavras, o hipossuficiente.
Com isso, trouxe mais proteção ao usuário, quando considerado consumidor, além dos conceitos que nos permitem identifcar quando se está presente numa relação de consumo, assim como, o que vem a ser o conceito de serviço, fornecedor, produto, vício, defeito e suas consequências, de ordem pública e interesse social.
 
Porém, há de se avaliar se tais conceitos podem estar diretamente relacionados àqueles relativos à administração pública.
 
Por exemplo, pode o consumidor ser considerado um usuário do serviço público? O conceito de serviço pode abarcar o conceito de serviço público? A administração pública, atuando indiretamente, pode se enquadrar no conceito de fornecedor, disposto no CDC?
 
Ressalte-se, que a dificuldade do tema, como já se disse acima, advém do fato de estarmos tratando de norma de direito público, portanto, direito administrativo, que aborda o que pode vir a ser um serviço público, em situações de entrelaçamento com normas de direito privado, que é o caso do CDC.
 
Assim, do conceito de serviço público pode-se extrair o fato de ser uma atividade prestada, de forma nem sempre exclusiva, pelo Estado, ou seja, pela Administração Pública, através de seu corpo funcional - funcionários públicos - para o seu povo, ou seja, para os seus usuários, que são as famílias brasileiras, que se utilizam de, v.g., energia, água tratada, sistema hidrossanitário, coleta de lixo, etc.
 
Em contrapartida, o art. 3º, §2º, do CDC, estabelece que serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as relações decorrentes de caráter trabalhista.
 
Ademais, dispõe dos conceitos, litteris:
 
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
 
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
 
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo […]
 
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
 
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;(…)
 
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.
 
Art. 17 Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
 
Art. 29 Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”
 
Ou seja, esses artigos indicam, expressamente, que um consumidor, em sentido estrito ou equiparado, pode ser considerado um usuário de serviço público, prestado por uma concessionária, como no caso de um pagamento de uma conta de energia elétrica, mediante tarifa.
 
Que um serviço, desde que prestado mediante remuneração, pode ser um serviço público.
 
Que um fornecedor pode ser uma pessoa jurídica pública e, que a incidência do direito privado no direito público pode ocorrer, sem problemas, nos termos do art.
4º e 6º do próprio CDC.
 
Ademais, vale adicionar ter, o Supremo Tribunal Federal – STF, em sede de repercussão geral no ano de 2008, se manifestado, no que concerne a responsabilidade objetiva, pela possibilidade de uma pessoa, usuária ou não do serviço público, invocá-la, caracterizando, dessa forma, o consumidor como um legítimo usuário.
 
Já o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça – STJ é o de se poder aplicar o CDC ao serviço público desde que uti singuli, como é o caso do exemplo da energia elétrica acima mencionada, procurando buscar o meio termo ao se deparar com direitos públicos e privados.

Portanto, embora de naturezas diversas, os direitos público administrativo e privado, em determinados casos, podem ser utlizados com a devida harmonia, pois há determinações expressas na própria lei consumerista, como em casos já apreciados tanto no Supremo Tribunal Federal – STF, como no Superior Tribunal de Justiça – STJ.

BIBLIOGRAFIA
GRINOVER, ADA PELLEGRINI; WATANABE, KAZUO; NERY JÚNIOR, NELSON.
CÓDIGO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMENTADO PELOS AUTORES DO ANTEPROJETO - VOLS. I E II, 10A ED., FORENSE, 2007.
 
PARIZATTO, JOÃO ROBERTO. PRÁTICA FORENSE NO DIREITO DO CONSUMIDOR:
DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA, MODELOS PRÁTICOS. SÃO PAULO: EDIPA, 2008.